O Êxodo de Milionários
Um Alerta para o Brasil?
Ticiano Cardoso
8/21/202519 min read


A migração de indivíduos de alta renda, como milionários e bilionários, acarreta uma série de benefícios econômicos para os países que os recebem. Dentre os impactos mais relevantes, destacam-se:
1. Fortalecimento da classe média:
Negócios iniciados por milionários e bilionários tendem a gerar efeitos de transbordamento altamente positivos para a classe média dos países que os recebem, especialmente por meio da criação de empregos bem remunerados.
Um exemplo notável é a Microsoft, fundada por Bill Gates nos Estados Unidos, que gerou milhares de postos de trabalho no próprio país e contribuiu significativamente para a liderança norte-americana no setor tecnológico global ao longo de mais de três décadas.
2. Receita cambial (Forex revenue):
Quando um milionário se muda para outro país, ele normalmente transfere parte do seu dinheiro para lá. Esse dinheiro entra como moeda estrangeira e ajuda a fortalecer a economia local.
Por exemplo: se um milionário leva USD 10 milhões ao mudar de país, é como se aquele país tivesse exportado USD 10 milhões em produtos — o efeito sobre a economia é o mesmo.
3. Geração de novos negócios:
Cerca de 15% dos indivíduos de alto patrimônio líquido que se mudam são empreendedores e fundadores de empresas, os quais frequentemente estabelecem novos negócios em seu novo país, promovendo a criação de empregos locais. Essa proporção ultrapassa 60% quando se trata de centi-milionários e bilionários.
4. Estímulo ao mercado de ações:
Investimentos em ações por milionários locais impulsionam os mercados financeiros. Muitos proprietários de grandes negócios, ao se estabelecerem em um novo país, chegam a listar suas empresas na bolsa local, fortalecendo o ecossistema financeiro nacional.
5. Criação de empregos:
O impacto mais relevante talvez seja o de geração direta de milhares de empregos bem remunerados por esses indivíduos de alto patrimônio líquido, principalmente em setores de alto valor agregado como hotéis de luxo, restaurantes sofisticados, varejo de luxo, moda de alta costura, imóveis de alto padrão, tecnologia, gestão de fortunas e escritórios familiares (family offices).
6. Efeito multiplicador:
A migração de riqueza gera um efeito multiplicador no crescimento econômico, sobretudo pela valorização dos ativos locais. Por exemplo, a entrada de 100 indivíduos de alta renda em um país pode resultar num aumento de mais de 200 pessoas com alto patrimônio líquido, em função da valorização dos ativos e do enriquecimento dos residentes locais.
Fonte:
Henley & Partners. (2025). Henley Private Wealth Migration Report 2025: Why Millionaire Migration Matters. Disponível em: https://www.henleyglobal.com/publications/henley-private-wealth-migration-report-2025/why-millionaire-migration-matters
Figura 1 – Projeção de Saída Líquida de Milionários em 2025
A tabela apresenta os países com as maiores perdas líquidas de indivíduos de alta renda (milionários) ao longo de 2025. A primeira coluna indica o país, a segunda mostra o número aproximado de milionários que deixarão o território, e a terceira apresenta o volume total de patrimônio associado a esses indivíduos, em bilhões de dólares americanos — todos os dados são expressos em valores absolutos. O Reino Unido lidera com folga, seguido por China, Índia e outras economias emergentes. O Brasil aparece com uma perda estimada de 1.200 milionários, a maior da América Latina.
Henley & Partners (2025).
Cenário Brasileiro em 2025
Em 2025, o Brasil está entre os líderes no êxodo de pessoas de alta renda na América Latina. Segundo relatório da consultoria Henley & Partners, o país pode registrar um êxodo líquido de cerca de 1.200 milionários ao longo do ano, o que representa a maior perda na região e a sexta maior do mundo (disponível em: https://ground.news/article/millionaires-on-the-move-uk-braces-for-historic-wealth-flight-as-global-migration-peaks#:~:text=Brazil%20Faces%20Record%20Wealth%20Flight,%E2%80%A6 ) . Essas aproximadamente 1,2 mil pessoas de alto patrimônio devem levar consigo cerca de US$ 8,4 bilhões de dólares em riqueza investível, dreno significativo de capital em um único ano. Esse fenômeno vem ganhando atenção como um sinal de alerta para a economia brasileira e é frequentemente relacionado ao clima político e econômico atual do país.
O governo brasileiro tem adotado recentemente uma retórica de justiça social focada em taxar os muito ricos. Uma campanha comunicacional apelidada de “Taxação BBB – bilionários, bancos e bets” foi lançada em 2025, enquadrando a narrativa numa espécie de luta de classes moderna (disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/economia/taxacao-bbb-acuado-por-fracassos-governo-abandona-uniao-e-retoma-nos-contra-eles/#:~:text=apostar%20numa%20virada%20de%20chave,%E2%80%94%20bilion%C3%A1rios%2C%20bancos%20e%20bets). Peças publicitárias oficiais chegaram a mostrar trabalhadores carregando sacos pesados de “impostos” enquanto figuras engravatadas (banqueiros e empresários) quase nada carregam – concluindo com o slogan: “Taxação BBB: bilionários, bancos e bets. Justiça histórica. Justiça de verdade” . Essa comunicação explicita a mensagem de que os ricos devem pagar mais impostos para aliviar os pobres, um discurso que agrada parte da população, mas que gera preocupação em setores produtivos e no mercado.
Observadores apontam que esse ambiente político hostil à alta renda pode estar motivando empresários e investidores a tirarem seu dinheiro do país ou até a fixar residência fiscal no exterior. Quando um governo promove propaganda de luta de classes entre pobres e ricos, muitos temem que isso signifique o fim do país em termos de ambiente de negócios e segurança jurídica. Os números sugerem que, de fato, grandes fortunas estão buscando refúgio em jurisdições mais amigáveis. Os destinos preferidos dos milionários que deixam o Brasil incluem Estados Unidos (especialmente a Flórida), Portugal e até países vizinhos como Costa Rica. (disponível em: https://www.henleyglobal.com/newsroom/press-releases/henley-private-wealth-migration-report-2025#:~:text=In%20Latin%20America%2C%20Brazil%20,Islands%2C%20%2052%2C%20and%20Panama).
Mas por que isso importa? A seguir, veremos as possíveis consequências da saída dos ricos e compararemos com exemplos de outros países – tanto na América Latina quanto na Europa – que “fizeram isso” (ou seja, adotaram políticas hostis às grandes fortunas) e colheram resultados negativos, a fim de extrair lições pertinentes para o caso brasileiro.
Consequências da Saída dos Ricos para a Economia
Figura 2 — Países com maiores ganhos líquidos de milionários em 2025 (projeção)
A tabela acima apresenta os países que devem atrair o maior número de milionários ao longo de 2025. A primeira coluna mostra o país de destino, a segunda indica o número estimado de indivíduos de alta renda que irão migrar para cada local, e a terceira exibe o volume total de patrimônio associado a esses fluxos migratórios, em bilhões de dólares americanos. Os dados foram extraídos do Henley Private Wealth Migration Report 2025 e refletem tendências projetadas com base em padrões recentes de mobilidade global de capital humano e financeiro.
A fuga de milionários não é apenas um dado curioso – ela traz efeitos concretos para a economia de um país. Em primeiro lugar, representa perda de capital e investimentos: os indivíduos de alta renda que saem levam consigo recursos que poderiam ser investidos internamente em negócios, imóveis, startups ou projetos geradores de empregos. No caso brasileiro de 2025, estima-se a retirada de US$ 8,4 bilhões, capital que deixa de circular no país . Além do capital em si, há a perda de arrecadação tributária futura – esses indivíduos passam a pagar impostos em outras jurisdições. Em países desenvolvidos, já se observou que êxodos de ricos podem custar “milhões em receitas perdidas” aos cofres públicos (disponível em: https://www.theguardian.com/world/2023/apr/10/super-rich-abandoning-norway-at-record-rate-as-wealth-tax-rises-slightly#:~:text=More%20than%2030%20Norwegian%20billionaires,millions%20in%20lost%20tax%20receipts).
Outro efeito temido é a redução de empregos e do empreendedorismo local. Muitas vezes, os milionários que partem são empresários ou investidores importantes. Sua saída pode significar que suas empresas migrem ou reduzam operações, diminuindo postos de trabalho. Como alertou um deputado brasileiro crítico à “taxação dos super-ricos”, quando essas pessoas saem, “consequentemente as empresas deles também saem. Então, menos empregos, [menos] investimento e principalmente falta de arrecadação, até mesmo para o Estado que queria taxá-los” (disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2025/07/7194967-bolsonarista-defende-bilionarios-e-critica-discurso-pobre-x-ricos-de-lula.html#:~:text=Para%20ele%2C%20o%20que%20o,que%20fazendo%20isso%20daqui%2C%20voc%C3%AA). Trata-se de um efeito reverso: uma política criada para aumentar a arrecadação sobre grandes fortunas pode, ironicamente, resultar em queda da arrecadação total, caso os detentores de capital simplesmente decidam deixar o país.
Há ainda o aspecto da “fuga de cérebros”. Embora o termo geralmente se refira a talentos acadêmicos ou profissionais altamente qualificados, ele também pode incluir empreendedores de sucesso e inovadores. Quando o ambiente de negócios se torna hostil – seja por carga tributária excessiva ou instabilidade – esses indivíduos buscam países onde suas ideias e capital sejam melhor acolhidos. Essa perda intangível pode ter impacto a longo prazo no potencial de inovação e crescimento econômico do país de origem.
Em suma, o êxodo de milionários serve como um termômetro do ambiente econômico: se muitos ricos estão partindo voluntariamente, é sinal de alerta de que algo está desfavorável, seja na segurança, na política ou na tributação. A seguir, analisaremos exemplos concretos de países que enfrentaram fenômenos similares – e veremos o que aconteceu quando eles “fizeram isso” (isto é, implementaram políticas ou discursos que levaram os ricos a sair).
Experiências na América Latina: Argentina e Venezuela
A América Latina oferece casos emblemáticos dos riscos associados a políticas hostis ao grande capital. Um exemplo claro é a Argentina, cuja história recente tem alternado entre períodos de abertura e populismo econômico. Nos últimos anos, sob governos de viés intervencionista, verificou-se uma aceleração na saída de detentores de grandes fortunas do país. Muitos milionários argentinos optaram por mudar sua residência fiscal para o Uruguai ou outras nações, escapando de impostos altos e controles cambiais rígidos. Entre as 40 famílias mais ricas da Argentina listadas pela Forbes, 18 já figuravam (em 2021) com seus principais membros residentes no exterior, de acordo com um levantamento do diário elDiarioAR (disponível em: https://www.eldiarioar.com/economia/larga-lista-millonarios-argentinos-dejaron-tributar-pais_1_7913062.html#:~:text=Todo%20es%20materia%20de%20una,certificado%20p%C3%BAblico%20de%20la%20AFIP). Em outras palavras, quase metade dos super-ricos argentinos deixou oficialmente de pagar impostos como residente do país.
As razões apontadas para esse êxodo argentino incluem aumento da carga tributária sobre grandes patrimônios, instabilidade política e um discurso governamental frequentemente hostil ao empresariado . Um caso bastante comentado foi o de Marcos Galperin, fundador da gigante Mercado Livre, que mudou-se para o Uruguai em 2020, logo após a volta de um governo peronista, tendo previamente retornado ao país durante a gestão pró-mercado de Mauricio Macri . Junto a Galperin, diversos outros empresários e herdeiros têm seguido o caminho do exílio tributário. Embora alguns argumentem que “são poucos indivíduos e suas empresas continuam investindo no país”, a realidade é que o fisco argentino deixa de arrecadar boa parte dos tributos que essas fortunas pagariam, já que, uma vez mudando a residência fiscal, contribuem apenas sobre bens que eventualmente fiquem em território argentino . A saída desses contribuintes de topo, ainda que pequena em número relativo, impacta desproporcionalmente a arrecadação, pois eles estavam entre os que mais pagavam impostos.
Outro exemplo extremo é a Venezuela, onde políticas socialistas radicais a partir de finais dos anos 1990 levaram não apenas a um êxodo de milionários, mas a um êxodo em massa de população e capitais em geral. Nos anos iniciais do regime chavista, houve nacionalizações e controles econômicos que atingiram duramente empresas privadas e patrimônios elevados. Muitas famílias ricas tradicionais venezuelanas expatriaram-se (para Miami, Espanha, Panamá, etc.), enquanto outras viram seus ativos no país perderem valor ou serem estatizados. Estima-se que milhares de empresários e profissionais qualificados deixaram a Venezuela durante as duas últimas décadas, contribuindo para um vácuo de investimentos privados domésticos. O país, que já foi um dos mais prósperos da região graças ao petróleo, entrou em colapso econômico e humanitário – resultado de um conjunto complexo de fatores, mas agravado pela fuga de capitais e de talentos empreendedores. Hoje, observa-se na Venezuela um panorama paradoxal: os ultra-ricos que permaneceram são em grande parte conectados ao regime ou ao setor extrativo, enquanto a classe média e alta independente praticamente evaporou. Esse caso serve de alerta máximo de como políticas econômicas desastrosas e retórica de “guerra de classes” podem afugentar investidores a ponto de quebrar a economia – embora seja um exemplo extremo e singular.
Em síntese, na América Latina vemos que Argentina e Venezuela “fizeram isso e não deu certo”: adotaram uma combinação de tributação punitiva, intervenção estatal e retórica de confronto contra ricos, e colheram como resultado fuga de cérebros, saída de capitais e empobrecimento geral. O Brasil, ainda distante desses patamares, começa porém a mostrar sinais preocupantes (como a liderança regional na saída de milionários em 2025). O próximo passo é olhar para a Europa, onde também há lições valiosas de países que tentaram políticas semelhantes.
Experiências na Europa: França, Reino Unido e o Caso da Noruega
A Europa Ocidental historicamente taxou mais fortunas do que a América Latina, mas nos últimos anos muitos países reviram essas políticas por causa de efeitos indesejados. Um caso didático é o da França, que por décadas manteve um imposto sobre grandes fortunas (Impôt de Solidarité sur la Fortune, ISF). Estudos mostram que, **entre 2000 e 2012, cerca de 42 mil milionários franceses deixaram o país para evitar esse imposto sobre patrimônio (disponível em: https://www.acton.org/publications/transatlantic/2019/09/18/fact-check-did-wealth-tax-increase-number-millionaires#:~:text=wealth,real%20estate%20tax%20in%202017). Esse êxodo silencioso – equivalente a dezenas de bilhões de euros migrando – foi um dos fatores que levaram o governo a abolir o ISF em 2017, substituindo-o por um imposto bem mais restrito (focado apenas em patrimônio imobiliário). A experiência francesa sugere que impostos altos demais sobre riqueza mobiliária tendem a ser contraproducentes, pois os contribuintes mais abastados dispõem de meios para se mover globalmente. De fato, a França foi campeã mundial de “fuga de milionários” em vários anos antes de ajustar sua política tributária, aparecendo no topo dos rankings de saída líquida de ricos até meados da década de 2010 (disponível em: https://www.france24.com/en/20150808-france-wealthy-flee-high-taxes-les-echos-figures#:~:text=24%20www,a%20time%20when%20France). Hoje, a política francesa mudou de rumo: em vez de perseguir grandes fortunas a qualquer custo, busca-se mantê-las no país para investir e gerar empregos, tanto que o próprio presidente Emmanuel Macron foi criticado pela esquerda interna por ter adotado uma linha “pro-wealth” (pró-riqueza) ao aliviar impostos sobre os mais ricos, visando torná-los parceiros no desenvolvimento nacional.
Figura 3: Migração de milionários no mundo, 2013–2026. Após interrupção em 2020-21 (impacto da pandemia), o número de HNWIs migrando atingiu recorde de 142 mil em 2025, com previsão de 165 mil em 2026. Os dados sugerem uma tendência global de aumento na relocação de ricos, refletindo mudanças políticas e econômicas (Henley Private Wealth Migration Report 2025).
Outro exemplo europeu atual vem do Reino Unido, que historicamente era um ímã para os ricos globais (especialmente Londres, com seu mercado financeiro e estilo de vida). Contudo, desde 2016 (após o referendo do Brexit), o país inverteu a tendência e passou a perder mais milionários do que ganha (disponível em: https://www.businessinsider.com/rich-used-to-flock-to-the-uk-now-theyre-fleeing-2025-6#:~:text=According%20to%20the%20Henley%20Private,year%20for%20the%20past%20decade). Em 2025, espera-se que o Reino Unido sofra a maior fuga de milionários já registrada em qualquer país – cerca de 16.500 HNWIs saindo em um único ano, superando até mesmo a China nesse quesito . As causas apontadas são mudanças tributárias recentes (aumento de impostos sobre ganhos de capital e herança, fim de vantagens para residentes não-domiciliados) somadas à persistente incerteza econômica do pós-Brexit (disponível em: https://ground.news/article/millionaires-on-the-move-uk-braces-for-historic-wealth-flight-as-global-migration-peaks#:~:text=,take%20%2466%20billion%20in%20investable). A imprensa britânica tem apelidado o fenômeno de “Wexit” (wealth exit) – um trocadilho com Brexit – dada a magnitude. Especialistas alertam que isso afeta a competitividade de longo prazo do Reino Unido, reduzindo sua base de investidores e enfraquecendo Londres como capital financeira . Ou seja, mesmo um país desenvolvido e estável pode enfrentar fuga de capital humano e financeiro se perde seu apelo relativo – uma lição importante para qualquer nação.
Um caso bastante comentado recentemente é o da Noruega. Conhecida por seu Estado de bem-estar e alta carga tributária, a Noruega aumentou em 2022 a alíquota do imposto sobre fortuna para 1,1% ao ano – um ajuste aparentemente modesto. A reação, porém, foi notória: mais de 30 bilionários e multimilionários noruegueses mudaram-se para países de menor tributação em 2022, número que superou a quantidade total de ricos que saíram nos 13 anos anteriores somados . Entre eles, figuram alguns dos empresários mais bem-sucedidos do país, como Kjell Inge Røkke, que transferiu residência para a Suíça e, com isso, privou o fisco norueguês de cerca de 175 milhões de coroas (US$ 16 milhões) por ano em impostos que ele pagava . Estima-se que o conjunto dos que partiram em 2022 levava um patrimônio de pelo menos 600 bilhões de coroas (cerca de US$ 57 bilhões) fora do país . A debandada pegou de surpresa a sociedade norueguesa – poucos imaginavam que um leve aumento tributário geraria tal êxodo, gerando debates sobre a viabilidade de se manter impostos patrimoniais elevados na era da mobilidade global. O governo norueguês, de centro-esquerda, enfrentou críticas e alguns políticos chegaram a culpar os ricos emigrantes pela “falta de patriotismo”, mas muitos cidadãos comuns passaram a questionar se fazia sentido “atirar no próprio pé” tributando até provocar a saída de grandes investidores . Este episódio norueguês serve de alerta: mesmo sociedades igualitárias e ricas podem sofrer autoimplosão fiscal ao taxar demais os endinheirados, pois eles dispõem de meios para sair, deixando para trás um buraco na receita e possivelmente menos empregos.
Diante dessas experiências europeias, observa-se um padrão: países que foram longe demais na penalização de grandes fortunas acabaram recuando. Não por acaso, nove países europeus aboliram seus impostos sobre riqueza desde 1990, após concluírem que os custos (evasão de capitais, perda de investimento) superavam os benefícios . Espanha e Noruega são dos poucos que ainda mantêm algo similar, mas enfrentando pressões (no caso espanhol, a taxação é mitigada por isenções regionais; no norueguês, discute-se mudanças após o êxodo). Assim, a Europa nos oferece lições claras de “isso não deu certo”: o caminho para reduzir desigualdades via taxação radical dos ricos mostrou-se ineficaz quando leva à fuga dos próprios contribuintes visados.
Conclusões
Os casos analisados – tanto na América Latina quanto na Europa – convergem para uma mensagem central: a hostilidade excessiva ao grande capital costuma gerar consequências indesejadas. Políticas ou discursos que demonizam milionários e bilionários podem até angariar apoio popular no curto prazo, mas devem ser calibrados com cuidado para não comprometer o futuro econômico do país. Em um mundo globalizado, onde capitais e pessoas ricas podem se mover com facilidade, “fazer justiça tributária” não pode significar “fazer o capital fugir”.
No contexto brasileiro, os dados de 2025 soam um alarme. O Brasil ainda não implementou um imposto sobre grandes fortunas de forma permanente, mas discute taxar dividendos, offshores e heranças dos super-ricos. Medidas de taxação sobre indivíduos de alta renda, embora comumente apresentadas como mecanismos de correção distributiva, funcionam na prática como desincentivos à acumulação de capital e à alocação eficiente de recursos. Ao penalizar o capital acumulado, reduzem o incentivo à poupança, ao investimento produtivo e à mobilidade internacional de ativos. Em vez de promover equilíbrio, essas medidas tendem a corroer a base de crescimento sustentável, especialmente em economias que já enfrentam instabilidade institucional. O foco deveria estar na criação de um ambiente previsível, com menor interferência estatal e estruturas tributárias que favoreçam a permanência e expansão do capital privado no longo prazo. A chave está em não tratar o capital como inimigo, mas sim como parceiro no desenvolvimento. Nesse sentido, vale citar o exemplo dos Emirados Árabes Unidos, que têm atraído milhares de milionários nos últimos anos graças a uma estratégia oposta: lá, a abordagem é tratar o capital “como parceiro e não como presa” (disponível em: https://www.forbes.com.au/news/billionaires/countries-gaining-and-losing-the-most-millionaires-in-2025/#:~:text=Henley%20%26%20Partners%20cites%20the,%E2%80%9D)– ou seja, oferecer incentivos, estabilidade e baixa tributação em troca de investimentos e residência. O resultado é que o UAE lidera os ganhos de ricos no mundo (previsão de +9.800 milionários em 2025) enquanto países que encareceram a vida dos ricos os estão perdendo .
Em suma, o Brasil pode buscar redução de desigualdade, mas precisa fazê-lo sem cair na armadilha de políticas simplistas que acabem afugentando quem investe e gera empregos. As lições da Argentina, Venezuela, França, Reino Unido e Noruega mostram que estabilidade, moderação tributária e segurança jurídica são aliados no esforço de reter e atrair pessoas bem-sucedidas que contribuem com a economia. Por outro lado, instabilidade, retórica de “nós contra eles” e taxação punitiva tendem a precipitar um êxodo que deixa todos em pior situação – menos investimento, menos empregos e possivelmente a própria desigualdade que se queria combater permanece, ou até piora, devido à contração econômica resultante.
Em última análise, construir um país próspero exige unir esforços de todas as classes. Políticas fiscais devem buscar equilíbrio: cobrar dos ricos uma contribuição justa, porém sem ultrapassar o ponto de inflexão em que eles decidam partir. Transparência no uso dos recursos públicos e combate universal à sonegação (de empresas e indivíduos de qualquer faixa) também aumentam a confiança no sistema. O Brasil, estando ainda em estágio inicial nesse debate de taxação de grandes fortunas, tem a vantagem de aprender com os erros alheios. Ao formular suas políticas, deve evitar soluções populistas de curto prazo e focar em reformas estruturais que atraiam investimentos, mantenham os talentos em solo nacional e promovam crescimento econômico inclusivo. Assim, podemos reduzir desigualdades à medida que a economia cresce, em vez de encolher devido à fuga de capitais. Isso representa um verdadeiro equilíbrio na eficiência econômica, o desafio primordial de qualquer sociedade moderna.
Conclusões acerca de Diretrizes de Política Econômica
Com base nos dados apresentados e nas experiências internacionais analisadas, é possível identificar algumas direções de política econômica que podem ajudar o Brasil a conter a saída de capitais humanos e financeiros, promovendo um ambiente mais favorável ao investimento e ao crescimento sustentável:
1. Reforçar a segurança jurídica e institucional
Reduzir a instabilidade normativa e evitar mudanças bruscas ou retóricas punitivas contra grupos específicos melhora a previsibilidade e atratividade do país.
2. Simplificar e racionalizar a estrutura tributária
Um sistema tributário claro, com menos exceções e menor complexidade, aumenta a eficiência econômica e reduz a percepção de risco para grandes investidores.
3. Promover incentivos à permanência e repatriação de capital
Criar mecanismos legais e fiscais que estimulem brasileiros de alta renda a manter ou trazer de volta seus recursos ao país, como regimes de transição fiscal com segurança jurídica.
4. Estabilizar o ambiente regulatório e reduzir intervencionismo excessivo
Reduzir o ativismo estatal e as constantes alterações regulatórias aumenta a confiança dos agentes econômicos e permite decisões de longo prazo.
5. Focar no crescimento sustentável da base econômica, sem aumentar a carga tributária
O desenvolvimento econômico duradouro depende do aumento da produtividade, da eficiência dos mercados e da estabilidade institucional — não de elevações sucessivas de impostos. A experiência internacional mostra que aumentar a carga tributária sobre qualquer grupo — seja classe média, ricos ou ultra ricos — pode gerar efeitos colaterais indesejados, como evasão, desinvestimento e deslocalização de capital humano.
A forma mais eficaz de reduzir desigualdades é por meio da expansão sustentável da base econômica, e não por políticas que desestimulam a produção e o investimento. Isso requer ganhos de produtividade, melhora do ambiente de negócios e investimentos consistentes em infraestrutura, capital humano e inovação.
6. Fortalecer a transparência e o uso eficiente dos recursos públicos
Mostrar que os tributos pagos — inclusive pelos mais ricos — são bem aplicados, aumenta a disposição da sociedade em contribuir com o sistema tributário.
7. Evitar políticas fiscalistas com viés populista
A narrativa de “nós contra eles”, ainda que politicamente eficaz no curto prazo, tende a corroer a base econômica e prejudicar justamente os que se pretende proteger.
Referências
1. HENLEY & PARTNERS. Henley Private Wealth Migration Report 2025. Londres: Henley & Partners, 2025. Disponível em: http://www.henleyglobal.com/publications/henley-private-wealth-migration-report-2025. Acesso em: 09 jul. 2025.
2. HENLEY & PARTNERS. Why Millionaire Migration Matters. In: Henley Private Wealth Migration Report 2025. 2025. Disponível em: http://www.henleyglobal.com/publications/henley-private-wealth-migration-report-2025/why-millionaire-migration-matters. Acesso em: 09 jul. 2025.
3. HENLEY & PARTNERS. Henley Private Wealth Migration Dashboard 2025. 2025. Disponível em: http://www.henleyglobal.com/publications/henley-private-wealth-migration-report-2025/dashboards. Acesso em: 09 jul. 2025.
4. G1. Campanha “Taxação BBB” mostra Lula puxando impostos em carroça com ricos sentados. G1 Globo, 05 jul. 2025. Disponível em: http://g1.globo.com/politica/noticia/2025/07/05/campanha-taxacao-bbb-lula. Acesso em: 09 jul. 2025.
5. VEJA. Campanha de Lula sobre ‘ricos’ incomoda até petistas: ‘acusações generalizadas’. Veja, 06 jul. 2025. Disponível em: http://veja.abril.com.br/politica/lula-campanha-ricos-taxacao-bbb. Acesso em: 09 jul. 2025.
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7. REBOSSIO, Alejandro. Los millonarios argentinos que emigraron para pagar menos impuestos. elDiarioAR, 27 jul. 2021. Disponível em: http://www.eldiarioar.com/economia/ricos-impuestos-argentina-millonarios-exterior_1_8179476.html. Acesso em: 09 jul. 2025.
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16. WEF – WORLD ECONOMIC FORUM. Why Dubai is becoming the world’s millionaire magnet. WEF, 01 jul. 2024. Disponível em: http://www.weforum.org/agenda/2024/07/uae-millionaires-dubai-2024/. Acesso em: 09 jul. 2025.
17. IPEA – INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Carga Tributária no Brasil: Evolução e Comparações Internacionais. Brasília: IPEA, 2022. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&id=40094. Acesso em: 09 jul. 2025.
18. IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Sistema Tributário Nacional e Distribuição de Renda. Rio de Janeiro: IBGE, 2023. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/estatisticas/stn-renda-2023.pdf. Acesso em: 09 jul. 2025.




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