Inflação: do IPCA ao seu bolso
Por que a inflação parece sempre diferente do que o que sentimos no dia a dia?
Ticiano Cardoso
8/22/202519 min read


Introdução
A inflação é um dos temas econômicos mais presentes no dia a dia dos brasileiros. Desde as compras no supermercado até as decisões de investimentos, a variação dos preços afeta a todos – do cidadão leigo ao economista, do executivo ao investidor. Este documento busca explicar, de forma acessível porém abrangente, o que é inflação e como ela é medida no Brasil, com foco especial no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Serão discutidos conceitos básicos, a metodologia de cálculo dos índices de preços, e por que a inflação oficial nem sempre reflete a realidade de cada indivíduo. Também abordaremos brevemente a importância da inflação para a política econômica brasileira. O objetivo é oferecer uma visão completa que agrade tanto quem está começando a entender do assunto quanto profissionais experientes em economia.
O que é inflação?
Em termos simples, inflação é o nome dado ao aumento generalizado dos preços de produtos e serviços ao longo do tempo . Quando a inflação está alta, o poder de compra da moeda diminui – ou seja, com a mesma quantia de dinheiro compra-se menos bens. Por outro lado, quando há estabilidade ou baixa inflação, os preços se mantêm relativamente constantes e o poder de compra é preservado. No Brasil, após um histórico de inflação elevada nas décadas de 1980 e início dos 90, a estabilização econômica veio com o Plano Real (1994), e desde 1999 o país adota um regime de metas de inflação. Nesse regime, o Banco Central busca manter a inflação próxima a uma meta predefinida (atualmente 3% ao ano, com tolerância de ±1,5 p.p.) , utilizando para isso instrumentos de política monetária (principalmente a taxa de juros básica, a Selic).
Índices de preços: como medimos a inflação?
A inflação é calculada por meio de índices de preços, popularmente chamados de índices de inflação . Esses índices acompanham a variação de preços de uma cesta de produtos e serviços representativa dos gastos de um determinado grupo de famílias. No Brasil, diversos índices são produzidos por diferentes instituições (tanto públicas quanto privadas) . Alguns dos principais incluem:
—IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) – Calculado pelo IBGE, é o índice oficial de inflação do Brasil e a principal referência utilizada por economistas, investidores e pelo governo . Como veremos em detalhe, ele reflete o custo de vida de famílias em faixas de renda entre 1 e 40 salários mínimos, abrangendo várias regiões do país . O IPCA é usado no sistema de metas de inflação e guia as decisões de juros do Banco Central .
—INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor) – Também calculado pelo IBGE, segue metodologia similar ao IPCA, mas voltado a famílias de renda entre 1 e 5 salários mínimos . Por abranger famílias de menor renda, o INPC frequentemente tem variação diferente do IPCA, já que esses grupos gastam proporção maior da renda em itens básicos (alimentação, transporte, etc.) .
—IGP-M (Índice Geral de Preços – Mercado) – Calculado pela Fundação Getulio Vargas (FGV), é um índice mais amplo que incorpora não só preços ao consumidor, mas também preços por atacado e custos de construção. Foi muito utilizado historicamente para reajustar contratos (como aluguéis), embora nos últimos anos seu uso tenha perdido espaço para o IPCA devido à volatilidade do IGP-M em certos períodos.
—IPC-Fipe – Índice de Preços ao Consumidor da Fipe, que mede a inflação na cidade de São Paulo. É relevante especialmente no contexto paulistano e acadêmico.
Cada índice tem cobertura geográfica e de renda própria, bem como fórmulas de cálculo específicas. Contudo, o IPCA do IBGE é o mais acompanhado, servindo como referência oficial para inflação no país e parâmetro para políticas públicas, contratos e expectativas econômicas.
Como é calculado o IPCA?
** ** O IPCA é produzido pelo IBGE seguindo padrões internacionais de índice de preços ao consumidor. A metodologia pode ser resumida assim: todo mês, agentes do IBGE coletam uma enorme quantidade de preços de produtos e serviços em lojas, mercados, feiras, prestadores de serviço, etc., em diversas cidades do Brasil. São cerca de 430 mil preços mensais coletados em 30 mil estabelecimentos, abrangendo 13 áreas urbanas do país . Esses preços de cada item são comparados aos preços do mês anterior, gerando variações percentuais item a item. Em seguida, essas variações são combinadas em um único índice geral, usando um sistema de pesos que refletem a importância de cada item no orçamento familiar médio .
Em termos estatísticos, o IPCA é um índice de Laspeyres, ou seja, um índice de preços de base fixa em que os pesos correspondem às quantidades (ou despesas relativas) de um período base. Esses pesos são derivados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), um extenso levantamento conduzido periodicamente pelo IBGE sobre os padrões de consumo e gastos das famílias brasileiras . A POF identifica o que as famílias consomem e quanto da renda é gasto em cada item – por exemplo, que proporção do orçamento vai para arroz, feijão, aluguel, transporte, plano de saúde, escola, lazer, etc. Assim, se uma família típica gasta 5% da renda com energia elétrica, o peso da energia elétrica no índice será 5%; se gasta 20% com alimentação, esse será o peso aproximado dos alimentos na cesta, e assim por diante . Dessa forma, o IPCA não é uma média simples dos preços, mas sim uma média ponderada, onde cada variação de preço contribui proporcionalmente à participação do item no orçamento das famílias.
** ** A estrutura de grupos e pesos do IPCA fornece um panorama dos itens que mais impactam a inflação. Atualmente o índice contempla 377 produtos e serviços em sua cesta , distribuídos em 9 grupos principais de despesa do orçamento familiar :
1. Alimentação e Bebidas – Inclui alimentos consumidos no domicílio (supermercado, feira, etc.) e alimentação fora de casa (restaurantes, lanchonetes). Peso aproximado: 19% da despesa total, após a atualização mais recente . É tradicionalmente um dos maiores componentes do IPCA, embora tenha diminuído em participação nos últimos anos (era cerca de 22% e caiu para 19% na nova ponderação).
2. Transportes – Engloba transporte público (ônibus, metrô), combustíveis (gasolina, etanol), transporte por aplicativo/táxi, manutenção de veículos, compra de automóveis, etc. Peso: ~20,8% , atualmente o maior peso individual no IPCA, tendo ultrapassado alimentação.
3. Habitação – Gastos com moradia: aluguel, condomínio, energia elétrica, água e esgoto, gás de cozinha, manutenção do lar. Peso: ~15,2% .
4. Saúde e Cuidados Pessoais – Despesas com plano de saúde, medicamentos, consultas, produtos de higiene e cuidados pessoais. Peso: ~13,5% .
5. Despesas Pessoais – Inclui itens diversos como cabeleireiro, serviços pessoais, lazer, viagens, cuidados com pets, etc. Peso: ~10,6% .
6. Comunicação – Serviços de telefone fixo e móvel, internet, pacotes de TV, serviços postais. Peso: ~6,2% .
7. Educação – Mensalidades escolares e universitárias, cursos, livros didáticos. Peso: ~6,0% .
8. Vestuário – Roupas, calçados e acessórios. Peso: ~4,8% .
9. Artigos de Residência – Móveis, eletrodomésticos, utensílios domésticos, decoração. Peso: ~4,0% .
Esses pesos somam 100% e definem quanto cada grupo influencia na inflação mensal e anual. Por exemplo, se os preços do grupo Transportes sobem muito num dado mês, isso puxa o IPCA para cima mais fortemente do que se o aumento ocorresse em Vestuário, porque Transportes tem peso maior.
Gráfico 1: Evolução dos pesos (%) dos grupos de produtos no IPCA do Brasil, comparando a estrutura de pesos de 2012 e a de 2020. Observa-se, por exemplo, a redução da participação de Alimentação e Bebidas (linha vermelha) e o aumento relativo de Saúde e cuidados pessoais (azul), entre outras mudanças . Essas alterações refletem os novos hábitos de consumo captados pela POF 2017-2018.
Atualização de pesos: vale destacar que o IBGE atualiza periodicamente a cesta e os pesos do IPCA para refletir mudanças nos padrões de consumo. A POF é realizada em intervalos (históricamente cerca de cada 5 a 10 anos) e serve para recalibrar o índice. Por exemplo, a última atualização ocorreu em janeiro de 2020, incorporando os dados da POF 2017-2018 . Nessa revisão, 56 novos itens foram adicionados ao cálculo da inflação e diversos itens obsoletos foram excluídos . Novos hábitos e produtos entraram na cesta do IPCA, como transporte por aplicativo, serviços de streaming, combo de telefonia/internet/TV, cuidados com animais domésticos, macarrão instantâneo, entre outros . Por outro lado, itens que perderam relevância saíram da lista, como aparelhos de DVD, assinatura de jornal, máquinas fotográficas analógicas, aluguel de DVD e mesmo alguns alimentos pouco consumidos atualmente . Essas mudanças garantem que o IPCA permaneça representativo da realidade atual.
Além da cesta em si, a abrangência geográfica do IPCA compreende hoje 16 regiões (que incluem 10 regiões metropolitanas e 6 cidades importantes) . São coletados preços em: Regiões Metropolitanas de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Salvador, Fortaleza, Curitiba, Belém, Vitória; e nas cidades de Brasília, Goiânia, Campo Grande, Rio Branco, São Luís e Aracaju . Cada área tem um peso regional no agregado nacional conforme sua participação no consumo urbano do país – por exemplo, a região de São Paulo sozinha responde por cerca de 32% do IPCA nacional , refletindo sua grande população e renda.
Resumo da fórmula: matematicamente, o cálculo do IPCA consiste em calcular um número-índice a cada mês, que representa o nível de preços ponderado daquela cesta em relação a um período base. A inflação mensal é a variação percentual desse número-índice de um mês para o seguinte. A inflação acumulada em 12 meses, muito citada, é a variação do índice em relação ao mesmo mês do ano anterior. Todos esses cálculos se resumem, essencialmente, a acompanhar quanto encareceu (ou barateou) o custo de vida médio de uma ampla amostra de famílias brasileiras ao longo do tempo.
IPCA vs. INPC: diferenças de cobertura
Conforme mencionado, o INPC é outro índice oficial produzido pelo IBGE, muito similar ao IPCA em metodologia. A principal diferença está na população-alvo: o INPC foca em famílias de renda até 5 salários mínimos, enquanto o IPCA abrange até 40 salários mínimos . Isso significa que o INPC representa o custo de vida de famílias mais pobres. Como essas famílias gastam proporcionalmente mais em itens essenciais (como alimentos básicos, transporte público) e menos em supérfluos, a estrutura de pesos do INPC difere um pouco. Por exemplo, alimentação tem peso maior no INPC do que no IPCA (cerca de 21,5% após a atualização de 2020, contra ~19% no IPCA) . Já transportes e habitação tendem a ter peso ligeiramente menor no INPC, porque famílias de menor renda frequentemente não possuem automóvel ou casa própria. Em outubro de 2019, com a atualização da cesta, o IBGE ressaltou que “no INPC, o grupo Alimentação e bebidas permaneceu com maior peso (porém reduzido de 27,3% para ~21,5%), enquanto em contraste, no IPCA o grupo Transportes passou a ser o principal componente” . Ou seja, a inflação dos mais pobres pode registrar comportamentos distintos, dependendo de quais preços estão subindo ou descendo mais.
Em geral, IPCA e INPC costumam ter números próximos, mas em certos períodos divergências acontecem. Não raro se observa manchetes como “inflação das famílias de baixa renda supera a média”, especialmente quando alimentos e tarifas (que pesam mais para os pobres) sobem acima da inflação média. Por exemplo, o IPCA nacional pode ter uma variação de +0,24% em um determinado período, enquanto o INPC pode ter uma variação de +0,23% na mesma leitura (mensal, por exemplo). No entanto, ao longo de 12 meses, o acumulado do INPC pode diferir do IPCA se a estrutura de gastos for diferente naquele período.
IPCA: uma média que não conta toda a história
Embora o IPCA seja o indicador oficial de inflação e reflita o custo de vida médio, é crucial entender que trata-se de uma média, abrangendo milhões de famílias em todo o Brasil . Nenhuma família é “média” na vida real: cada uma tem hábitos de consumo próprios. Por isso, muitas vezes as pessoas sentem que “a inflação do IBGE” não bate com a inflação que elas vivenciam no bolso.
Cada pessoa ou família possui a sua “cesta de consumo” individual. Uma família com filhos pequenos pode gastar muito com educação, planos de saúde e alimentação; outra, de aposentados, pode gastar mais com medicamentos e menos com transporte; um jovem solteiro pode gastar relativamente mais com lazer e eletrônicos, e assim por diante. Essas diferenças fazem com que a inflação percebida varie bastante. Se, por exemplo, o preço dos alimentos dispara, quem compromete grande parcela da renda no supermercado sentirá uma inflação bem acima do IPCA médio; já uma família de renda alta, que gasta mais com serviços ou bens duráveis importados, pode sentir menos esse impacto naquele momento.
** Considere um exemplo: a família A paga aluguel, mensalidade escolar e compra muita comida para casa; já a família B é proprietária do imóvel (não paga aluguel), não tem filhos em escola e tem plano de saúde privado. Se os aluguéis subirem e a mensalidade escolar aumentar, a família A será bem afetada, enquanto a B nem nota esses itens. Por outro lado, se o plano de saúde encarece ou há forte alta de medicamentos, a família B sofrerá mais impacto que a A. O IPCA, ao juntar tudo, pode mostrar uma inflação “moderada” – mas composta de altas e baixas que atingem cada família de forma distinta.
Gráfico 2: Inflação por faixa de renda no Brasil. O painel à esquerda mostra a variação mensal do índice de preços em março/2021 para diferentes classes (renda muito baixa até renda alta), comparando com março/2020; o painel à direita mostra a inflação acumulada em 12 meses para essas faixas de renda ao longo do tempo . Observa-se que a inflação pode variar significativamente conforme o estrato de renda – em mar/2021, famílias de renda baixa acumulavam ~7,2% em 12 meses vs. ~4,7% nas de renda alta , pois itens como alimentos pesaram mais para os mais pobres.
Estudos do Ipea ilustram bem essas diferenças. Em certo período recente, verificou-se que a inflação dos pobres superou a dos ricos: no acumulado de 12 meses até março de 2021, a inflação das famílias de renda muito baixa foi 7,2%, enquanto para famílias de renda alta ficou em 4,7% . Isso ocorreu principalmente porque houve forte alta em alimentos (que consomem maior parte do orçamento dos mais pobres) e, ao mesmo tempo, alguns preços importantes para famílias de renda alta (como cursos, serviços de turismo, etc.) subiram menos ou ficaram estáveis . Em outros momentos a situação se inverte – por exemplo, quando combustíveis e passagens aéreas disparam de preço, eles pesam mais no orçamento de quem tem carro ou viaja de avião (tipicamente classes de renda mais alta), elevando a inflação desses grupos em relação aos de baixa renda .
Diferenças regionais também ocorrem. O próprio IPCA é divulgado por região pesquisada e varia de lugar para lugar. Por exemplo, o IPCA nacional pode ter uma média de aumento de +0,24% no mês, enquanto o Estado A pode ter deflação de -0,08%, e o Estado B, inflação de +0,64% no mesmo período. Essa discrepância ocorre porque as condições locais de oferta e demanda variam – uma safra agrícola barateando alimentos beneficia mais as regiões produtoras; já um reajuste de imposto estadual pode elevar preços localmente em um estado e não em outro, e assim por diante.
É importante compreender que o IPCA não está “errado” por ser diferente da inflação percebida individualmente. Ele cumpre o papel de medir a variação média dos preços para o conjunto da economia, servindo como bússola para decisões macroeconômicas. No entanto, por ser uma média ponderada, nem todos os preços sobem ou caem igualmente — alguns itens disparam, outros recuam, e muitos permanecem relativamente estáveis.
Essa assimetria leva muitas pessoas a questionarem, por exemplo, como pode haver “inflação em queda” ou até deflação num mês, se continuam sentindo o custo de vida subir. A explicação, muitas vezes, está no fato de que os produtos com maior queda de preços simplesmente não fazem parte da cesta de consumo daquela pessoa. Em momentos de supersafras, por exemplo, alimentos como carne e leite podem baratear graças à redução no custo da ração. Quem consome esses itens sente um alívio; quem não consome, não nota diferença.
É possível, por exemplo, que o IPCA registre uma deflação de -0,08%, enquanto muitas famílias seguem enfrentando aumento em suas despesas mensais. Isso acontece porque, naquele mês, os principais responsáveis pela queda foram alimentos e combustíveis — ao passo que itens como o aluguel, frequentemente reajustado por índices como o INCC, continuaram subindo e afetando diretamente quem depende de moradia alugada.
Como economista, reforço que a experiência inflacionária é sempre individualizada. O IPCA oferece um panorama geral confiável e metodologicamente robusto, mas não substitui a percepção concreta de cada família em sua realidade específica.
Em suma, a inflação “de cada um” varia. Quem desejar, pode até calcular sua inflação pessoal: anotando todos os gastos mensais e acompanhando a variação de preços dos itens que consome, é possível comparar o custo total de um mês com o do mês seguinte e obter uma taxa personalizada . Não será um cálculo trivial, mas dá uma noção mais aderente ao seu padrão de vida. Para efeitos de economia nacional, entretanto, trabalha-se com os índices gerais (como IPCA e INPC) que servem de termômetro médio para política econômica e negociações salariais.
A estatística por trás dos índices de inflação
A construção de um índice como o IPCA envolve conceitos estatísticos importantes. O primeiro já mencionado é o de média ponderada: o IPCA é uma média de variações de centenas de preços, ponderada pelos pesos (importância) de cada item no orçamento . Isso significa que variações em itens de grande peso (como gasolina ou energia elétrica) têm forte influência no resultado, enquanto produtos de peso minúsculo (como um tempero culinário raro, por exemplo) praticamente não movem o ponteiro do índice .
Além da média, outras medidas estatísticas às vezes são analisadas pelos economistas para entender a inflação. Por exemplo, o Banco Central olha núcleos de inflação, que são medidas alternativas filtrando itens muito voláteis. Há também a mediana da inflação, que seria a variação exatamente ao centro da distribuição de itens – por vezes a mediana fica acima da média, indicando que mais da metade dos preços individuais subiram além do IPCA. Isso ocorreu em momentos de inflação mais disseminada. Já em casos de alguns itens muito fora da curva (digamos, um único produto disparou +100%, mas a maioria subiu pouco), a média pode ficar acima da mediana. Esses conceitos fogem do escopo deste texto, mas valem para destacar que a distribuição das altas e baixas de preços é tão relevante quanto a média em si.
Uma ilustração disso é a disseminação da inflação, indicador que mostra o percentual de itens com aumento de preço em determinado período. Você pode ter um IPCA baixo, mas com muitos preços subindo e alguns poucos caindo bastante – ou vice-versa. Estatísticos e economistas olham esses detalhes para julgar se a inflação está concentrada em poucos itens ou espalhada na economia toda, o que muda bastante a interpretação.
Por fim, cabe notar que o cálculo do IPCA possui procedimentos para garantir qualidade dos dados: o IBGE aplica metodologias de coleta rigorosas, incluindo visitas presenciais e, mais recentemente, técnicas de webscraping (coleta automatizada de preços em sites, para itens vendidos online) . Existem processos de crítica e imputação para tratar preços faltantes ou fora do comum, assegurando que o índice final não sofra distorções por erros ou casos atípicos isolados . Toda essa base estatística confere confiabilidade ao IPCA, que segue padrões internacionais comparáveis aos índices de outros países.
Inflação, política econômica e a Curva de Phillips
A inflação não é apenas um número – ela ocupa posição central na política econômica. No Brasil, o IPCA é o índice oficial adotado pelo governo como referência para o regime de metas de inflação. Cabe ao Banco Central calibrar a taxa básica de juros (Selic) com o objetivo de manter a inflação dentro da meta estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional. Na prática, quando as expectativas indicam que a inflação pode ultrapassar o teto da meta, o BC tende a elevar os juros para conter a demanda e evitar repasses generalizados de preços. Em cenários de inflação baixa, o ciclo se inverte: há espaço para reduzir juros e estimular a atividade econômica. Esse processo exige um ajuste fino, pois envolve escolhas que afetam o crescimento, o emprego e o custo de vida da população.
Um dos instrumentos conceituais mais utilizados para entender esse equilíbrio delicado é a Curva de Phillips – que descreve, no curto prazo, uma relação inversa entre inflação e desemprego. Em linhas gerais, quando o desemprego está baixo, aumentos salariais se tornam mais frequentes, elevando o custo de produção e, eventualmente, os preços. Por outro lado, altos níveis de desemprego tendem a conter o consumo e a barganha salarial, reduzindo pressões inflacionárias.
No caso brasileiro, a Curva de Phillips ainda funciona, embora seus efeitos sejam mais difíceis de perceber. Como analisei em “A Curva de Phillips ainda vale no Brasil” (disponível em: https://www.linkedin.com/posts/ticiano-cardoso-956543144_a-curva-de-phillips-ainda-vale-no-brasil-activity-7339160045974081536-9__A), fatores como a informalidade do mercado de trabalho, choques de oferta frequentes e pressões fiscais tornam a leitura do trade-off mais complexa, mas não o invalidam. Em momentos de forte crescimento com mercado de trabalho aquecido, os preços tendem a responder — especialmente em setores de serviços, onde os salários impactam diretamente os custos. O contrário também se observa: quando o desemprego é alto, há menor pressão inflacionária.
No longo prazo, contudo, o que predomina é o papel das expectativas. A inflação sustentável depende mais da credibilidade da política monetária, da previsibilidade das decisões do Banco Central e da estabilidade do arcabouço fiscal do que de intervenções pontuais na taxa de juros. O desafio não é simplesmente “sacrificar emprego para conter preços”, mas sim garantir que o comportamento de empresas, consumidores e investidores esteja ancorado em uma trajetória confiável e estável de preços — condição essencial para um crescimento equilibrado e duradouro.
Considerações finais
A inflação impacta a vida de todos, mas de maneiras distintas para cada um. O IPCA, índice oficial de inflação no Brasil, foi desenvolvido para fornecer uma medida padronizada e abrangente da variação de preços no país. Ele serve como bússola para a política econômica, baseando metas do governo e decisões do Banco Central , além de corrigir salários, aluguéis e contratos em geral. Entretanto, por ser uma média, o IPCA dificilmente refletirá perfeitamente a experiência individual de cada consumidor .
Isso não significa que o índice esteja errado ou “maquiado” – pelo contrário, sua metodologia é transparente e robusta, seguindo a evolução dos hábitos de consumo e cobrindo uma ampla gama de produtos, serviços, regiões e classes sociais. Mas é importante comunicar, especialmente ao público leigo, que “a sua inflação pode ser diferente da inflação média”. Famílias de menor renda sentem mais os aumentos dos alimentos e tarifas públicas; famílias de maior renda sentem mais variações em serviços, dólar ou bens de luxo; moradores de diferentes regiões enfrentam custos diferentes.
Para os formuladores de política, a tarefa é garantir que a inflação geral permaneça baixa e estável, pois isso tende a beneficiar a sociedade como um todo – a inflação alta desorganiza a economia, pune mais os pobres (que têm menos mecanismos de proteção) e dificulta investimentos de longo prazo. Nesse sentido, a credibilidade do IPCA e do regime de metas é fundamental: eles atuam como referência para as expectativas de inflação. Atualmente, essa credibilidade é levada tão a sério que, por exemplo, após o ano de 2024 terminar com inflação acima do teto da meta (4,83% contra teto de 4,75%), o Banco Central iniciou 2025 já sob um novo regime de meta contínua, que verifica a inflação em janelas móveis de 12 meses . Assim, caso a inflação fique consistentemente acima do intervalo de tolerância, o BC deve explicar publicamente as causas e as medidas para trazê-la de volta aos eixos . Esse compromisso reforça a disciplina contra a volta de cenários inflacionários indesejáveis.
Em conclusão, entender a inflação requer olhar tanto o número geral (IPCA) quanto suas particularidades. O IPCA é uma média ponderada que nos dá uma visão macro da economia e orienta as decisões de política econômica . Porém, por trás da média existem múltiplas realidades: diferentes grupos sociais, faixas de renda e regiões experimentam a inflação de formas diversas. Reconhecer isso ajuda a formular políticas mais adequadas (por exemplo, ajustar salários mínimos de acordo com o INPC, focar em alívios fiscais para itens básicos quando a inflação pesa mais para os pobres, etc.).
Para investidores e executivos, compreender a composição da inflação (quais setores estão pressionando os preços) é essencial para a tomada de decisões – seja para projetar custos empresariais, negociar reajustes ou alocar investimentos em ativos protegidos da inflação. Já para o cidadão comum, acompanhar a inflação oficial e saber por que ela pode não refletir seu caso específico é importante para planejar suas finanças pessoais sem perder de vista o cenário econômico mais amplo.
Em suma, a inflação no Brasil – medida pelo IPCA – é um termômetro vital da economia. Aprender a ler esse termômetro e seus detalhes nos permite navegar melhor tanto no orçamento doméstico quanto nas grandes decisões de política econômica, beneficiando a todos os envolvidos, dos leigos aos especialistas.
Referências Bibliográficas
1. IBGE – Inflação Explica (IPCA e INPC)
https://www.ibge.gov.br/explica/inflacao.php
2. IBGE – IPCA (página oficial com resultados e metodologia)
3. IBGE – INPC
4. IBGE – IPCA-E (índice trimestral especial)
5. Agência Brasil – Inclusão de 56 itens no IPCA em 2019
6. Cardoso, T. A. M. (2017).
UMA REVISÃO DA LITERATURA SOBRE A CURVA DE PHILLIPS E SUA
APLICABILIDADE PARA O BRASIL
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG).
https://www.pucminas.br/iceg/Paginas/monografias.aspx
7. Scielo Brasil / IPEA – Curva de Phillips no Brasil (RBE, v.74 n.2, 2020)
https://www.scielo.br/j/rbe/a/j3MYsSzxZDD9gVnySrqDdjt/
8. FGV/Ibre – Índice de Preços dos Gastos Familiares (IPGF)
9. InfoMoney – Por que a inflação do IPCA não é a mesma para todos?
https://www.infomoney.com.br/economia/por-que-a-inflacao-do-ipca-nao-e-a-mesma-para-todos/
10. InfoMoney – Guia IPCA
https://www.infomoney.com.br/guias/ipca/
11. Poder360 – Entenda o que é meta contínua de inflação
https://www.poder360.com.br/poder-economia/entenda-o-que-e-meta-continua-de-inflacao/
12. Banco Central do Brasil – Metas para a inflação
https://www.bcb.gov.br/controleinflacao/metainflacao
13. Agência Brasil – IPCA de junho estoura modelo contínuo de metas
14. Folha de S. Paulo – Inflação estoura meta contínua pela 1ª vez
15. Cardoso, Ticiano Augusto Mendonça. A Curva de Phillips ainda vale no Brasil. Disponível em: https://www.linkedin.com/posts/ticiano-cardoso-956543144_a-curva-de-phillips-ainda-vale-no-brasil-activity-7339160045974081536-9__A




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